Páginas

Quando o nós se transformou em dois eus



 Era uma noite de sexta feira e como era de se esperar, eu já havia planejado tudo o que íamos fazer: vamos ao cinema, depois vamos jantar, logo após vamos para a minha casa ou para a casa dele. Embora minha noite já estivesse planejada, fui surpreendida ao vê-lo parado na porta da minha casa, aguardando minha chegada do trabalho.


 - Precisamos conversar! - Palavras que me sufocam e me fazer perder completamente o chão.

 Ele me explicou o porque estava colocando um ponto final em uma história cheia de vírgulas. Me deu motivos e várias circunstâncias ao qual tive que concordar que nós vivíamos errando desenfreadamente. Confesso que hoje ainda gosto dele, mas é aquele gostar conformado com o fim, que simplesmente espera o cessar da vontade, da saudade, do sentimento. Tenho fotos acumulando poeira e lembranças molhando meu rosto. Já se passaram onze meses desde o dia que as coisas se tornaram diferentes entre nós.

 Ele beijou minha mão e agradeceu pelos ótimos momentos que passamos juntos e pelo amor que compartilhamos. Não era um presente no qual eu podia facilmente me livrar. Um amor gritado e um amor calado, sem depender de situações. Ele sabia que havia se tornado tudo para mim. Depois de alguns - longos - meses, pude entender que não havia nada errado comigo. Ele sabia os caminhos que queria seguir, os caminhos que queria que seguíssemos juntos, um segurando a mão do outro e ele escolheu um atalho.

 Eu encontrei lobos maus, bichos peçonhentos, fadas má-drinhas, e pessoas rebeldes e o pior de todos é que a cada esquina eu encontrava o seu amor, encontrei beijos escandalosos e abraços calorosos que o pertenciam. Mudei por ele, pintei as unhas de vermelho, deixei o cabelo crescer, economizei maquiagens, passei um véu in-visível dentro de mim e me tornei transparente ao ponto que nunca fui. Estou no meio de uma multidão de pernas apressadas, quando o que mais queria era desacelerar.

 Chegamos num ponto que nossos passos não eram mais sincronizados e eu não percebi, mas agora debaixo de um céu azul escuro chuvoso, minhas fiéis companhias são meu guarda-chuvas e minha solidão. Eu disse que me conformei com o fim e menti, talvez ele já tenha percebido a mentira antes de eu a confessar, a transparência ainda incide em mim e meu amor ainda é dele. Algumas ruas depois do meu ponto de partida, eu o vi. Com o cabelo molhando com as gotas da chuva. Ele me olhou e por um minuto eu quis sumir. Eu sabia que qualquer conversa seria "quanto tempo", "você tá diferente", "como anda a sua família?", "eu te ligo depois pra gente conversar".

 - Oi Laura, como vai? Há quanto tempo...
 - Ah, oi. Sim, bastante tempo. Quer um abrigo em um pequeno guarda chuvas?
 - Se não for incomodo. - e foi naquele molhado toque que eu entendi o porque nunca o esqueci, foi um toque diferente, mas era dele e me recordei de todas as vezes que ele se aproximou e me fez me sentir sua.
 - Incomodo nenhum.

 Nesse papo tímido pós termino, tentei analisar o quão mudado ele estava. Atravessamos ruas, descemos ladeiras quase desertas e passamos pela lanchonete que nós conhecemos. 

 - Quer entrar comigo? - era o momento que eu queria pular em seus braços, contar minhas saudades e tomar um café-da-reconciliação.
 - Não, obrigada! Preciso ir agora.

 Ele agradeceu a carona, pegou a minha mão, notou o esmalte rosa-claro e entrou. Pelo reflexo da porta vidral vi que ele ainda me olhava. Uma avenida depois e eu resolvi o esquecer. Foi quando, quase coincidentemente reencontrei uma antiga-nova paixão que eu de certa forma usei para cessar minhas carências -chocolates-. E foi naquele momento que aquele amor, cessou.



0 Opiniões:

Postar um comentário

Curtiu?

 

© Cantinho do Blog. Todos os direitos reservados.Imagens: Valfré