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Alice

 Ela sentiu saudade. Aliás, ela sempre sente. Como poderia não sentir? Ela estava no mesmo banco, em frente ao mesmo coreto, próximo a toda aquela área verde em que há pouco mais de três anos, deu o primeiro beijo naquele que sonhara acordada durante grande parte da última década. Exagero? Talvez. Mas que amor não tem um pouco de drama? Como poderia não haver uma pitada de dor no amor de uma escritora e um músico filosofo?

 Alexandre era o tipo de cara que atiçava Alice e depois pulava fora. De comum, além do fato de escrever, só a letra A no inicio dos seus nomes. Ela ariana, ele pisciano, dizem as más línguas nos horóscopos da vida que não é uma relação fácil. E não foi. Ela fogo, ele água. Ao mesmo tempo que esse amor ardia, ele acabava apagado e logo evaporava. Ela super agitada, ele desligado. Ela se entregava fácil, ele se apaixonava fácil... Por outras, na maior parte das vezes. Alice nunca soube se ele lhe era fiel, mas nunca acreditou que pudesse ser. Ela companheira, ele individualista. Ele otimista, ela realista. Eram coisas pequenas, mas que ficavam enormes pelo tanto de teatro que eles faziam em casa situação. Ela virava as costas e batia a porta. Ele esperava ela o procurar. Só faziam as pazes quando se viam na rua e não podiam fingir que estavam bem. Ela orgulhosa, ele tanto faz.

 Mas entre eles existia amor, era fácil de se ver. Ela escrevia sobre ele, ele cantava músicas sobre ela. Ela amando o tal menino que conheceu no ônibus, que carregava consigo um violão e uma cara de pau enorme. Ele amando a tal menina que se fazia de difícil mas não conseguia resistir aos seus encantos. Ela marcava presença em todos os shows, fã número um. Ele sempre a surpreendia na praça, perto do coreto onde ambos passavam tempo demais pensando um no outro. Ela perdidamente apaixonada, ele apaixonadamente perdido.

 Alice não se sentia muito bem com o assedio em cima do namoradinho rock star. Alexandre se enciumada com a quantidade de marmanjo que chegava cheio de charminho para cima da sua bela garota. Ambos querendo ficar juntos, ambos querendo se separar. A pressão para cima desse casalzinho pop era gigante. Como os fazer ficar? Resolveram que era melhor acabar, enquanto não se machucavam mais.

 Mas ainda existiram as músicas, as crônicas e os poemas, os versos combinados e o maldito coreto cimentado no meio da praça favorita do casal. A praça se chamava "Liberdade", mas quem é que queria ser livre? Alice roubou uma margarida, fez bem-me-quer. Alexandre a observou de longe, sem coragem de se apresentar. O lugar que um dia uniu, no outro fez dois corações se quebrarem. Seria justo e bonito falar que foi só uma fase, que depois se acertaram... Mas a vida real é bem diferente do conto de fadas.

 Alice logo mais ia se formar, mudar de cidade e ia conhecer Felipe. Ia se casar, descobrir que não poderia ter filhos e ia adotar um cachorro. Seguiu o conselho de ficar com quem gosta dela, mesmo sem ela gostar. Alexandre ia começar a ficar famoso, shows pelo país, várias mulheres por cidade, uma por dia e um vazio que não sabia se um dia ia transbordar. Se é que um dia poderia. A história dos dois sempre será inacabada, por que se adaptaram ao que tinham. Deixaram o amor perder e a dificuldade ser maior. O coreto sempre estará lá. Ambos sempre irão visitá-lo quando estiverem na cidade e sempre se lembrarão que um dia se amaram louca e ardentemente. Vão pensar que não era para ser e quando menos esperarem estarão escrevendo um sobre o outro, outra vez.

 Seria cômico, se não fosse tão trágico, se fosse só uma historinha. Mas é a vida real. Deixamos sempre orgulhos e dificuldades nos vencerem em algum momento. Deixamos de lutar tantas vezes por simplesmente achar que a guerra já foi perdida. E no final das contas, as vezes, ambas as partes poderiam cessar fogo e levantar bandeira branca...




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