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Aquela que não era eu


 De vez enquanto me permito lembrar de um passado não tão distante onde eu me permitia. Quando eu gostava de pop, rock, sertanejo e samba, pois agora eu curto o silêncio, aposentei meus fones de ouvido que estão jogados na primeira gaveta da minha cômoda. Quando eu gostava de me maquiar, pentear os cabelos várias vezes pra tirar os nós resultantes de uma noite de sono profundo, escolher uma roupa, depois outra, e depois outra e sair de casa pensando que estaria melhor com a blusa que comprei semana passada. Nem compras me trazem de volta pra mim. Quando eu flertava descompromissadamente e achava o máximo quando olhavam de volta para mim. Quando eu perdia meu celular e não conseguia achá-lo por que estava no silencioso, e quando o encontrava havia várias ligações não atendidas e mensagens não lidas. 

 Falando em ler, quantos livros abandonei pela metade? Quantos textos não terminei de escrever? Quantas músicas deixei no pause durante tempo o bastante para esquecer que a estava ouvindo? Na verdade, nem sei qual é a música que está no music player agora...  Bom, essa não sou eu. Aquela no espelho não era eu. Quando eu sai de casa hoje de manhã não era eu. Bom, onde eu estou dentro de mim? Vai saber...

 Sabe aquela garota que você viu correr pelo corredor, saindo do apartamento de um estranho, com os cabelos despenteados, a cara lavada, a roupa amassada? Então, aquela era eu. Estava lá fazendo nada de importante com ninguém que interesse. Eu sou a garota com o óculos de grau, que passeia por ai tentando nem ser notada... Sou aquela que sai pra trabalhar cedo e volta tarde. Aquela que não tem paciência para brincar com seu próprio cachorro a noite, que não sabe o que fazer no computador, que se tornou metade fome, metade sono, e disso vive.

 Sou aquela que anda me embriagando com várias doses de whisky, vários copos de rum e várias taças de vinho. Aquela que começou a fumar por diversão e conhecer caras idiota só pra não morrer de solidão. Então, essa sou eu. Fazer amigos que duram algumas horas, comer coisas pouco (diga-se nada) saudáveis, que se tornou rainha do sedentarismo, que não almoça com a família aos domingos. Fico presa no meu apartamento, ou as vezes acordo em apartamentos de meros conhecidos, algumas vezes na cama deles, cheirando a fumaça de cigarro e vômito, e saio de lá como entrei, sem nomes, sem telefones, sem lembranças doces.

 Tenho me perdido na minha agenda de telefones, como um labirinto, sem saber para quem e por que ligar, sem saber como chegar na saída. Me perdi do meu próprio ser, tenho preguiça de pessoas, e estou seguindo o estilo "não se apega não". Acordo e vou dormi do mesmo jeito, vazia. Sem saber qual caminho seguir, sem saber se devo ir.

 E assim vai continuar sendo, até que eu saiba como voltar para eu mesma.

2 Opiniões:

  1. Anônimo1.9.12

    Fico cada dia mais impressionado com o seu dom para escrever. Seus textos estão a cada dia melhores

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  2. Não te acompanho sempre, mas já li algumas coisas e esse foi o melhor que já li.
    As vezes a gente se perde, acontece, mas eu costumo dizer que pra voltar pro caminho certo a gente tem que olhar para aquelas coisas que realmente importam, a primeira delas, nós mesmos, e a segunda, penso eu, familia.
    Se a gente não cuidar primeiro de nós mesmo nunca iremos a lugar algum, senão o fundo do poço.
    Cuidar de nós mesmo não quer dizer fazer o que quisermos, da forma e quando quisermos, mas quer dizer que devemos fazer apenas aquilo que nos faz bem, que não deixará consequências, que nunca nos fará olhar no espelho e dizer, esse não sou eu.
    Parabéns pelo texto.
    Beijoa

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